A Colheita no Distrito 10

E mais um ano de Jogos começa. Acordei bem cedo para ir tratar dos animais e arranjar-me minímamente para a ocasião. Para minha surpresa, os meus irmãos estavam também já despertos, prontos a me desejarem boa sorte para este que seria o último ano em que eu estaria apto para participar nos Jogos. Despedi-me de cada um deles, todos ainda novos o suficiente para não serem aptos, e parti para a Praça Principal. Aí escutei com atenção o descurso do prefeito, não muito diferente do dos outros anos. E de seguida, a acompanhante da Capital começou a falar com a sua voz estridente. Aproveito o tempo do filme que é passado todos os anos para me acalmar. Respiro fundo. "Só mais um ano," penso.

A garota é sorteada.
Respiro fundo mais uma vez.
Não a conheço, felizmente.
Preparava-me para respirar fundo uma última vez quando oiço o meu nome.
"Zachary Archer".
Não raciocino no início até reparar em toda a gente olhando à sua volta.
"Sou eu. O Zachary sou eu. Eles me procuram no meio da multidāo, mas ninguém sabe quem eu sou".
Só finalmente entendo o que se passa quando os Pacificadores me levam até ao palco. Procuro pela minha família no meio da multidāo e vejo os meus irmāos olhando para mim, o mais pequeno chorando. Nåo sei o que pensar. Nāo sei o que sentir. Apenas aperto a māo da minha colega de Distrito quando mo mandam fazer.

Dou por mim já dentro do Edifício da Justiça. Estive aqui uma ou duas vezes, mas nunca prestei muita atenção aos detalhes do edifício. Os Pacificadores me levam até a um cómodo, onde me sento, esperando pela minha família que tinha a certeza que viriam.
Não tarda muito até aparecer o meu pai juntamente com os meus quatro irmãos. Agora já estavam os três mais novos chorando, e o mais velho tentando manter a postura, tal como eu deveria fazer. Mas não consigo ver os meus irmãos assim. E o mais novo, com apenas três anos... não, isto não é certo. Uma criança tão nova não deveria conhecer a morte tão bem assim como ele a conhece. Primeiro a nossa mãe, depois os anos a ver os Jogos, ainda mais com os animais que ele tem que ver sendo mortos todos os dias. Ele tenta sempre salvar os animais quando pode. Eu faria o mesmo, mas é o meu trabalho. Talvez isso me sirva de vantagem agora nos Jogos. Lembro-me de um dia nascer um pintinho lá na nossa quinta, e os meus irmãos insistirem em cuidarem dele em vez de o utilizar para a pecuária. Supostamente não somos autorizados de ter como animais de estimação animais pertencentes ao gado, mas eu não lhes consegui dizer que não e eles também manteram a sua promessa, cuidando do animal até hoje sem nunca terem sido descobertos.
"Você vai para aquele sítio que nós vemos na televisão todos os anos?" pergunta o mais novo. Apesar do seu dialeto ainda incompleto e mal dito, consigo entender a sua pergunta e respondo que sim.
"Mas não se preocupe, eu voltarei para casa são e salvo", acrescento.
"Mas e se alguém matar você?" pergunta o meu outro irmão. Este tem apenas 6 anos.
"Eu não deixarei isso acontecer, não se preocupe", respondo.
"Claro que não," interrompe o mais velho dos quatro, que até ali se tinha mantido calado. "Você já viu como o Zach utiliza o seu facão!? É impossível alguém vencer ele!" Ele disse isso com tanta determinação que por momentos pensei mesmo que era capaz de vencer isto.
"O seu irmão tem razão, vai ver que eu vou vencer isto. E você poderá ver-me sempre na televisão." digo, tentando os acalmar. "E você, tome conta dos seus irmãos!" digo para o mais velho.
"Pode deixar!" responde ele, confiante.

Me volto para o meu pai, sorrindo timidamente. Eu sei que ele não está tão confiante assim como meus irmãos estão.
"Não se preocupe comigo", digo-lhe. "Eu ficarei bem".
"Eu sei que sim. Lembre-se de tudo o que aprendeu." isso foi a última coisa que ouvi deles, pois um Pacificador entrou dizendo que o tempo tinha acabado e nem me deu tempo para dizer adeus.